terça-feira, 18 de outubro de 2011

RM do Joelho com tração

Ressonância Magnética com stress femorotibial para avaliação de insuficiência do ligamento cruzado anterior
Autores e desenvolvedores do projeto: 
Gervásio Mikami, Médico Radiologista
Alexandre Magno Moreira, Enfermeiro

Termos: joelho, lesão, rotura, ligamento cruzado anterior.
Abreviações: LCA = ligamento cruzado anterior, LCP = ligamento cruzado posterior, ML = menisco lateral, RM = ressonância magnética.


OBJETIVO: Estudar o valor da RM combinada com estudo dinâmico de stress femorotibial para a acurácia do sinal indireto de translação anterior da tíbia e exposição do corno posterior do menisco lateral.
MATERIAIS E MÉTODOS: Foram estudados 135 pacientes (140 joelhos) com idade entre 12-72 anos, que realizaram exames de RM do joelho e posteriormente se submeteram a artroscopia ou tiveram acompanhamento de 18 meses posterior à data de realização do exame. Foram avaliados a translação anterior da tíbia e a exposição do corno posterior do menisco lateral comparando as imagens com o joelho em posição neutra e durante a aplicação de stress femorotibial.

RESULTADOS: Houve 37 lesões de LCA e 103 ligamentos íntegros. As sensibilidades e especificidades dos sinais de gaveta anterior foi de 68% e 86% respectivamente e de exposição do menisco lateral foi de 89% e 78% respectivamente. Quando se utilizou ambos os sinais indiretos simultaneamente os valores obtidos foram de 70% para a sensibilidade e de 65% para a especificidade. A acurácia destes sinais foi de 81% para a gaveta anterior e exposição do menisco lateral e de 66% para ambos os sinais simultaneamente. 
CONCLUSÃO: A manobra de stress femorotibial aumenta a sensibilidade dos sinais indiretos (translação anterior da tíbia e exposição do corno posterior do menisco lateral), nos casos em que não há sinais diretos de lesão do ligamento cruzado anterior.

A ressonância magnética (RM) é o melhor método não invasivo para avaliar o ligamento cruzado anterior (LCA). A sensibilidade do método varia de 92 a 94% e a especificidade está entre 95 e 100% (6). A lesão do LCA pode ser diagnosticada através de sinais diretos e indiretos. Os sinais diretos incluem a descontinuidade parcial ou completa ou alteração do sinal e dos contornos do ligamento.
Quando não há sinais diretos de lesão ou quando estes são inconclusivos, os sinais indiretos podem ser úteis na avaliação da lesão do LCA. Estes sinais indiretos são: perda da orientação do LCA, verticalização do ligamento cruzado posterior (LCP), alteração da linha do LCP ou da curvatura deste ligamento, aumento da profundidade do sulco femoral lateral, lesão do ligamento colateral medial, contusão óssea, translação anterior da tíbia e exposição do corno posterior do menisco lateral (3).
Estes sinais indiretos podem ser usados para o diagnóstico de lesão do LCA, mesmo quando este ligamento não pode ser visto. A translação anterior da tíbia e a exposição do corno posterior do menisco lateral têm o mesmo valor diagnóstico, pois revelam o deslocamento anterior do platô tibial lateral em relação ao côndilo femoral lateral (2).
A combinação da translação anterior da tíbia e a contusão óssea, têm sensibilidade de 82% e especificidade de 90% em lesões agudas (2).
O LCA apresenta trajeto oblíquo no joelho, originando-se no côndilo femoral lateral e inserindo na porção anterior da espinha tibial. Possui ainda, duas bandas, uma ântero- medial e outra póstero-lateral e apresenta sinal intrínseco maior do que o ligamento cruzado posterior (LCP).
Aproximadamente 30% dos pacientes com lesão crônica do LCA podem apresentar aparente continuidade, pela presença de tecido fibrocicatricial com baixo sinal, que pode ser erroneamente interpretada como ligamento íntegro (5).
O LCA íntegro previne a translação anterior da tíbia. Se o LCA estiver roto ou insuficiente, há deslocamento anterior da tíbia em relação ao fêmur, o que pode ser demonstrada clinicamente com a gaveta anterior e o teste de Lachman. A translação anterior da tíbia pode ser medida, sendo anormal quando há uma translação maior do que 5 ou 7 mm. Este sinal tem alta especificidade (91%), mas baixa sensibilidade (41%), quando utilizada como referência a distância de pelo menos 7 mm de deslocamento anterior da tíbia (1).
Por ser um sinal de baixa especificidade, há necessidade de uma potencialização deste sinal através de uma avaliação dinâmica, ou seja combinando a RM com as manobras utilizadas no exame físico, como o teste de Lachman e gaveta.

Objetivo:
Estudar o valor da RM combinada com estudo dinâmico de stress femorotibial para a acurácia do sinal indireto de translação anterior da tíbia e exposição do corno posterior do menisco lateral.

Materiais e Métodos:
Foram estudados prospectivamente135 pacientes (140 joelhos) com idade entre 12 e 72 anos, sendo 92 do sexo masculino e 43 do sexo feminino, que realizaram exames de RM do joelho no período de fevereiro de 2006 a abril de 2007 e posteriormente se submeteram a artroscopia ou tiveram acompanhamento de 18 meses posterior à data de realização do exame. Os exames de RM foram realizados em equipamento de 1.5T (Gyroscan Intera 1.5T Software Release 11; Philips Medical Systems, Best, Netherlands).
Em todos os pacientes foram realizadas as seguintes seqüências em posição normal (repouso), sem stress femorotibial: Sagital, coronal e axial Turbo Spin-eco (TSE), sem e com supressão de gordura. Os seguintes parâmetros foram utilizadas: FOV de 160-180 mm, tempo de eco de 10 a 50 ms, tempo de repetição de 500 a 2300 ms, matriz de 512 x 512 e espessura de corte de 3,5 mm com gap de 1,0 mm.
No final do exame, após orientação detalhada ao paciente sobre o procedimento, estes eram submetidos a um dispositivo de tração no joelho (fotos 1 a 7), posicionando um suporte rígido sob a tíbia proximal e aplicando uma força de alavanca na tíbia distal, que determina
a gaveta anterior da tíbia, mantendo fixa a patela e o fêmur contra a base, simulando um teste de gaveta anterior (força de aproximadamente 9 a 15 kg). Foram utilizadas bobinas sin-flex média ou pequena, adquirindo-se imagens com a seqüência de Turbo Spin-eco no plano sagital, semelhante à seqüência em repouso.
Posteriormente as imagens foram analisadas na workstation, utilizando o OsiriX Imaging Software versão 3.2, por um radiologista experiente, que mediu a distância no plano ântero- posterior entre duas linhas verticais, uma tangenciando o contorno posterior do côndilo femoral lateral e outra tangenciando o contorno posterior do platô tibial lateral e também a extensão da exposição do corno posterior do menisco lateral.

Figura 1: Prancha de suporte do joelho, com tiras para fixação.

Figura 2. Prancha com as bobinas syn-flex pequena e média.

Figura 3. Posicionamento do paciente na prancha, com uma base sob a tíbia proximal.

Figura 4. Posicionamento do paciente e colocação das bobinas no joelho. Vista lateral.

Figura 5. Posicionamento do paciente e colocação das bobinas no joelho. Vista frontal.

Figura 6. Posicionamento do paciente, com as bobinas e as tiras de fixação na coxa e de tração na perna distal, fazendo mecanismo de alavanca. Vista lateral.

Figura 7. Posicionamento do paciente, com as bobinas e as tiras de fixação na coxa e de tração na perna distal, fazendo mecanismo de alavanca. Vista frontal.

Resultados:
Dos 140 exames de Ressonância Magnética dos joelhos examinados, os sinais diretos indicaram rotura completa do ligamento em 11 (onze) exames (7,8%). Destes, todos apresentaram a diferença nas distâncias entre o côndilo femoral e o platô tibial antes e após a aplicação do dispositivo de tração, maiores do que 5,0 mm (gaveta positiva) e nove destes onze (81,8%) apresentaram diferença igual ou maior do que 7,0 mm (Figura 8). Houve exposição parcial do corno posterior do menisco lateral após a manobra de stress em 10 destes 11 (90,9%) exames analisados (Figura 9).
Do total dos 140 exames, 25 (17,8%) exames indicaram integridade preservada do ligamento através dos sinais diretos, sendo que em 23 (92,0%) exames dos 25 exames, a diferença nas distâncias entre o côndilo femoral e o platô tibial antes e após a aplicação do dispositivo de tração, foi igual ou menor do que 4,0 mm (gaveta negativa) e dois (8,0%) exames tiveram esta diferença de 5,0 mm. Nenhum dos 25 exames apresentou exposição do menisco lateral após a manobra de stress.
O número total de ligamentos com alguma alteração à RM foi de 104 exames. Destes 104 exames, 38 (36,6%) exames apresentaram gaveta positiva (diferença igual ou maior do que 5,0 mm) e 13 (12,5%) tiveram gaveta positiva com diferença igual ou maior do que 7,0 mm. Sessenta e seis exames (66,4%) apresentaram gaveta negativa (diferença menor do que 5,0 mm) e ainda, destes 104 exames, 49 (47,1%) apresentaram exposição parcial do menisco lateral e 55 (52,9%) tiveram este sinal negativo. Trinta e sete (37) destes 104 exames (35,6%) apresentaram estes dois sinais positivos simultaneamente e 45 (43,3%) exames apresentaram estes dois sinais negativos simultaneamente, totalizando 82 (78,8%) pacientes com ambos os sinais concordantes.
Todos os pacientes foram acompanhados durante o período de pelo menos 18 meses após a realização do exame. Dos 11 pacientes com sinais diretos de rotura, sete foram submetidos à artroscopia para reconstrução do LCA e quatro, apesar da indicação cirúrgica tiveram conduta conservadora.
Dos 104 exames que tinham sinais diretos duvidosos de lesão ou com alguma alteração do LCA, 26 (25%) exames tiveram confirmação de lesão ligamentar à artroscopia. Destes 26 exames, 14 (53,8%) tinham sinais indiretos de gaveta positiva, 16 (61,5%) tinham exposição do corno posterior do menisco lateral e 13 (50%) tinham ambos os sinais positivos.
Dos restantes 78 exames com integridade do LCA, 48 (61,5%) tiveram sinal da gaveta negativa, 56 (71,8%) tiveram exposição do menisco lateral negativa e 44 (56,4%) tiveram ambos os sinais negativos.
Dos 38 exames que tinham sinal da gaveta positiva, 15 (39,5%) exames tinham LCA roto (se considerada 5,0 mm ou mais de translação) e dos 12 exames que tinham gaveta positiva de 7,0 mm ou mais, três (25%) tinham LCA roto. Dos 49 exames que tinham exposição meniscal lateral, 33 (67,3%) exames tinham LCA roto e dos 45 exames que tinham ambos os sinais indiretos positivos, 34 (75,6%) tinham LCA roto.

Tabela 1. Correlação entre sinais positivos e negativos em relação ao achado de artroscopia.

Tabela 2. Valores de sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo (VPN) e Acurácia em %.

Figura 8. Paciente com rotura completa do LCA, com gaveta positiva de 7,0 mm

Figura 9. Paciente com rotura completa do LCA, com exposição parcial do corno posterior do menisco lateral na seqüência com stress femorotibial (imagem à esquerda) em comparação com a seqüência sem stress (imagem à direita). Este paciente apresenta sinais de gaveta e exposição meniscal positivas simultaneamente.

Discussão:
O objetivo deste estudo de avaliar a potencialização dos sinais indiretos de lesão do LCA, como o sinal da gaveta anterior e a exposição do corno posterior do menisco lateral, através da utilização de um dispositivo de tração, simulando as manobras do exame físico e de aparelhos como o KT-1000, foi alcançado. Observou-se aumento da sensibilidade destes sinais, porém mantendo semelhante a especificidade em comparação com os estudos sem a utilização deste dispositivo (1).
Houve a limitação da impossibilidade de mensuração da intensidade de força aplicada no teste de stress durante a aquisição das seqüências de RM. Estes 140 exames de RM com aplicação do dispositivo de tração do joelho foram realizados por um grupo de técnicos e auxiliares de enfermagem (pelo menos 10 profissionais diferentes), portanto com uma possível e provável variabilidade de aplicação de forças entre estes profissionais.
Tivemos neste estudo, pacientes masculinos e femininos, atletas e não atletas, enfim, como uma variabilidade de biótipos físicos que em muitas situações constatou-se certa dificuldade de tração principalmente naqueles pacientes com musculatura hipertrofiada ou com certo grau de defesa antálgica, como em atletas de alta performance e com lesão aguda respectivamente.
A avaliação de lesões do ligamento cruzado anterior através da Ressonância Magnética utilizando a manobra de stress femorotibial, aumenta a sensibilidade dos sinais indiretos (translação anterior da tíbia e exposição do corno posterior do menisco lateral), nos casos em que não há sinais diretos de lesão ligamentar, em comparação com os estudos anteriores, que avaliaram estes sinais, sem a manobra de stress femorotibial.
Há a necessidade de aprimoramento do dispositivo de tração femorotibial, para que possa ser aplicada utilizando bobinas específicas para o estudo do joelho e em que os parâmetros de força aplicada sejam objetivos e mensuráveis, além disso, que seja de fácil manuseio e instalação por qualquer profissional paramédico especializado na área e para qualquer biótipo do paciente.
Nosso grupo está desenvolvendo experimentalmente este dispositivo de tração femorotibial, sendo necessários ainda, estudos detalhados com aplicação de força com variados graus de intensidade, para conhecermos a força necessária para o melhor estudo desses sinais indiretos de lesão do LCA para cada grupo de pacientes, divididos por sexo, pelo tempo de história do episódio de entorse (se lesão aguda ou crônica) e por graus de desenvolvimento da musculatura ao redor do joelho do paciente (atletas e não atletas).

Referências:
  1. Gentile, A. Anterior Cruciate Ligament Tear: Indirect Signs at MR Imaging.
  2. Brandser, EA. MR Imaging of Anterior Cruciate Ligament Injury: Independent
    Value of Primary and Secondary Signs.
  3. Robertson, PL. Anterior Cruciate Ligament Tears: Evaluation of Multiple Signs
    with MR Imaging.
  4. Vahey, TN. Anterior Translocation of the Tibia at MR Imaging: A Secondary Sign
    of Anterior Cruciate Ligament Tear.
  5. Vahey, TN. Acute and Chronic Tears of the Anterior Cruciate Ligament:
    Differential features at MR Imaging.
  6. Ha, TPT. Anterior Cruciate Ligament Injury: Fast Spin-Echo MR Imaging with
    Arthroscopic Correlation in 217 Examinations.
  7. Rijke, AM. Stress Examination of the Cruciate Ligaments: A Radiologic Lachman
    Test. 


Dr Gervásio Mikami
Médico Radiologista
gmikami@proimagem.biz